quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Eu, etiqueta


Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu lençol, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo,
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências,
Costume, hábito, premência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comprazo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou – vê-lá – anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares, festas, praias, piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar,
Cada vinco da roupa.
Sou gravado de forma universal,
Seio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo de outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a coisa, coisamente.

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

"Prefácio"



As aulas de Metodologia Científica são intrigantes. Engana-se quem busca uma receita pronta para escrever, para pesquisar ou para por em prática aquilo que estudou ou estuda.
É confortante se agarrar às idéias que já foram elaboradas antes mesmo de nos imaginarmos como seres humanos e ainda hoje aceitá-las com pouca ou nenhuma contestação. O dia-a-dia daquela pessoa que busca sempre saber mais mostra que a vida dificilmente estará sob, o nosso, controle. A constante transformação das maneiras de enxergar e pensar a vida me permite continuar a seguir o meu caminho, aleatório, que ora me cega de um dos olhos ora me impulsiona a questionar movimentos humanos imperceptíveis.
Não tenho a pretensão de me enquadrar em uma escola já firmada, simplesmente me concebo o direito de escrever. Esta tal palavra escrita é um suporte para a narrativa da linguagem, entretanto não quero me perder em meio a tantas, breves ou longas idéias que invadem minha mente, preciso externá-las.
Para acalmar meus próprios ânimos e poder seguir em frente aleatoriamente, plantarei aqui algumas idéias que aos poucos poderão ser semeadas e possivelmente nortearão outras caminhadas. Serão muito bem vindos outros olhares que captam de maneira particular tudo aquilo que se refere à vida e à forma de ser. Agradeço intensamente ter este espaço, o apoio e a colaboração de pessoas que me emocionam e influenciam sempre mais a indagar.
Por Mariana Lara

Fragmento do livro Encontro Marcado

“De tudo fizeram três coisas: a certeza de que ele estava sempre começando, a certeza de que era preciso continuar e a certeza de que seria interrompido antes de terminar. Fazer da interrupção um caminho novo. Fazer da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro.”

Fernando Sabino